terça-feira, 12 de junho de 2018

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perder a hora todos os dias
perder a hora todos
os dias e
seguir tropeçando
e tropeçando
nas pessoas
tropeçar no asfalto e eventualmente
cair
da cama  
sair de casa com mais roupas do que
devia
sair de casa com menos roupas
- do que devia
sair
com as pernas de fora
estar com as pernas de fora
estar com o corpo
todo de fora
ser uma pessoa de fora
não carrego nada comigo – talvez
alguns documentos
mas
eles não prestam aqui
porque sou uma pessoa
de fora
eu não sou daqui
conheço pessoas daqui e
elas são iguais a mim
mas diferentes pois
falam muito mais
do que eu falo pois
são amplamente bilíngues
no que falam pois
são a filosofia universal
são as relações interpessoais
a variação genética a monocultura
a mecanização da colheita a expansão
marítima e as energias eólicas os ventos que sopram
Ulisses Maomé Abu Hurairah Jó
para o primeiro registro da escrita
o surgimento do outro
ensinar o outro
o poder geracional e cultural positivo
aprender o que comer e o que queimar
saber exatamente o que jogar fora
e o que manter
o abismo entre nós
ou a conversão das moedas
fazer yoga pilates artes marciais
três vezes por semana
organizar uma agenda jogar fora
a receita
a fórmula do dna
a sistemática miscigenação
e a domesticação dos animais
não ser mais a caça
mas sim aprender a caçar
e assim
correr dos cães
não há nada mais assustador que
temer quem se ama
é certo que não se
deve jogar pérola aos porcos
mas às vezes
é preciso vesti-los de lobo

pois é natural
que tudo grande ou pequeno
provoque o latido dos cães



quarta-feira, 23 de maio de 2018

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Uma vez que lhe falte experiência,
Invente,

Aprenda a externalizar emoções
de pontos de vista
genuinamente cegos.

Uma vez que lhe falte experiência,
Especule,

Reconheça a dor de um homem
a léguas

E nos surpreenda,
Esse é o momento do grande relato.

Ninguém se importa com a vida do antropólogo,

É sobre o trabalho de campo que queremos ouvir.



quarta-feira, 4 de abril de 2018

Parquinho particular


Parquinho particular

Estar sozinha nesse mundo
é absurdo
mas nos poemas ainda é permitido
ser triste como
fazer o sinal da cruz em frente a igreja
ou botar a mão no coração quando se diz
de coração
E ainda é permitido chorar
em público
por vezes mesmo até muito
pelo que não se sabe
Apesar de saber o endereço de tudo e pouco
me esquecer daqueles que chateei ou meti
em apuros, peço já desculpas, não sou má pessoa
embora sinta mesmo muito ódio
quase sempre
Não sou má pessoa (embora sinta mesmo
muito ódio)
Me sinto agora um pouco frágil
e flácida
minhas extremidades
estão ficando mais ressecadas com o tempo
e também tenho carregado muita
coisa nos bolsos
É exaustivo carregar esse peso
mesmo que o maior
peso seja carregar
minhas próprias costas
– e algumas ausências
É como vestir a armadura
É como arrastar a casa
É como carregar a infância
(eu
inteiramente criança)
dentro de minha barriga
Meu deus,
absurda mesmo é a gravidez
carregar-se
criança e ainda mais uma
desconhecida
na mesma barriga
Que engraçado
seria
ver duas crianças brincando por meses
num parquinho particular
Que maravilhoso
seria
se houvesse coluna
que aguente



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